Tempo da Sapataria SAN.
Último suspiro do artesão sapateiro.
Entardecer de uma era
Em que sapataria era arte,
Não somente sapataria
Mas também outras profissões
Igualmente importantes
Para a sociedade de então.
Alfaiataria
A suprir as necessidades de trajes masculinos.
Ourivesaria
Alicerçando o ramo da economia
Apoiado na garimpagem
Em tempo de ouro farto.
Na Sapataria SAN
Fui aprendiz de sapateiro.
Discípulo de Sergio Alves Noleto,
De Jovino e de João Amâncio,
O Joãozinho da Quilidônia.
Tempo que adulto andava a pé
E jovens, de bicicleta.
Mas mesmo assim,
Na lentidão do deslocar,
Muita gente visitava a sapataria.
As visitas não atrapalhavam o trabalho,
Faziam-no divertido
E mantinham os sapateiros
Conectados com os acontecimentos
Do Brasil e do mundo
Pois que os visitantes tinham sempre
As últimas notícias do Repórter Esso
E as do Globo no Ar.
Aquele que em horários pré-estabelecidos
Despejava no Brasil inteiro
Pelas ondas Curtas da Nacional do Rio
As últimas notícias da UPI
(United Press International)
Este outro, o Globo no Ar,
Inundava o Brasil pela estação
De vinte e cinco metros da Rádio Globo
Com as notícias do Brasil e do Mundo
Fornecidas pelas demais agências noticiosas.
O mais ilustre visitante da sapataria,
Duas, três ou quatros vezes por dia
Era Sebastião Cipriano de Souza
O Basto, irmão de Dona Zefinha,
Titular do Registro civil,
Onde fui registrado
Em mil, novecentos e cinquenta,
Quando mudamos para Uruaçu,
Vindo do Córrego do Coité,
Que é perto de Rubiataba
E eu já era um cavalão de mais de dez anos.
Dona Zefinha – Josefa Cipriano Mota –
Esposa do Manoel Mota,
Mãe de um filho e quatro filhas,
Avó de Maryanna outras mais
Legou a Uruaçu,
Além de um trabalho profícuo,
Uma bela descendência.
Voltando à sapataria,
Onde eu falava do Basto,
Que era ótimo orador,
E excelente cantor,
E gostava de mostrar-nos
Seus altos conhecimentos
Políticos, históricos, geográficos.
E até gramaticais
Acumulados anos e anos
Nas folhas amareladas
Pela fumaça das lamparinas
E nos serões familiares
Pródigos em cultura local.
Além disso, fazia curso de madureza.
Com Dr. Cristovam Ávila.
Gostava também de contar piada,
E a gente se esforçava para rir,
Mas não conseguia,
Tão sem graça era seu jeito de narrá-las.
Os sem que fazer
Também iam à sapataria.
Uns iam falar da vida alheia
Outros simplesmente matar o tempo
E aprender alguma coisa.
Moças escolhendo modelo de sandália
Em revistas de moda,
Meninas-moças encomendavam
Sapatos colegiais em verniz preto
E os fregueses que mantinham a sapataria
Comprando chinelas, sapatos, botas e botinas.
O trabalho na SAN
Era instrutivo, alegre e divertido.
Lá, todo mundo era feliz
E quase todos tinham apelidos
Conforme suas qualidades pessoais.
O dono era o Castanhão
Por se alto, de bastos cabelos castanhos.
João Amâncio era o Boca Preta,
Por causa da barba escura em torno da boca;
Eu era o Cabeleira, por ter o cabelo “cheio”;
O Fábio era o Picape, porque cantava o dia todo;
A Baixinha porque era de pequena estatura;
O Ernesto era o Rádio, porque imitava apresentador de rádio;
O Reberão tinha esse apelido
Porque era assim que pronunciava a palavra ribeirão
O Garrote tinha a aparência touro;
O Mané Boi porque chegara do Maranhão
Com um jeitão de boi arisco.
Jovino e Enedina não tinhas apelidos,
Ela, por sua condição de moça séria
E ele por respeito a sua peixeira.
Mesmo assim, apesar da peixeira,
Certa vez cortei um monte de cansanção
E coloquei dentro da rede dele.
Ele passou mais de uma semana
Procurando o autor da arte
Para guardar-lhe a peixeira no bucho.
Nunca mais cutuquei onça com vara curta.
O trabalho na SAN
Era instrutivo, alegre e divertido.
Lá, todo mundo era feliz
E quase todos tinham apelidos.
15/02/2015. |